Intrigante pensar nos motivos pelos quais a tiquira não conquistou a mesma popularidade que a cachaça no Brasil. Falo isso porque a base deste tipo de aguardente é a mandioca, produto nacional, diferentemente da cana-de-açúcar, que é produto asiático. A forte influência do ciclo do açúcar no país no século XVI inegavelmente pesou sobre esta nossa escolha cultural. Mas há de se levar em conta também o fato dos produtos da mandioca sempre terem sido renegados, ficando historicamente em segundo plano na gastronomia “elogiada” ou que se queria mostrar para o resto no mundo.
Bom, mas e a tiquira? À época do Descobrimento, os colonizadores fizeram os primeiros registros sobre as bebidas alcoólicas consumidas entre os índios. Entre elas havia algumas licorosas feitas à base de frutas e outras fermentadas produzidas a partir de raízes – entre elas a mandioca. Cauim era o nome mais comum dado a esta segunda categoria de bebidas, das fermentadas. Mas também existiam tipos específicos de fermentados, como a catimpuera (mistura de mandioca cozida e peneirada, com água e mel), e a conguinha (preparada com farinha de mandioca, água e açúcar), por exemplo. Os líquidos então passaram a ser objeto de interesse e experimentos dos portugueses que dominavam as técnicas de destilação. Assim nasceu a tiquira, mistura de técnicas indígenas e europeias.
Seu processo de produção artesanal começa com a mandioca lavada e ralada. Depois a massa vai para uma prensa, que retira o excesso de água. A mistura vai para o tacho onde é cozida, como se fosse um grande beiju de carimã, ou beiju-açu. Depois a massa cozida fica em contato com água para iniciar o processo de fermentação. Separa-se o resíduo sólido e, depois, o líquido é destilado. Com o tempo, a tiquira foi incorporando novas características. Nas prateleiras de venda ou feiras maranhenses, é comum encontrar a bebida de cor rosa-arroxeada, resultado da mistura com as folhas de mexerica após a destilação, e que a diferencia dos demais destilados. Isso, além do alto teor alcoólico: as garrafas costumam oscilar entre 36% e 54% (!).
Mas cuidado com dois aspectos quando for comprar a sua: bebidas que são muito roxas, que podem ter sido tingidas com azul de metileno, ou então aquelas com gosto muito pronunciado de álcool. Estas são marcas de tiquiras de má qualidade. Lembre-se: tiquira de boa procedência é levemente roxa e com sabor suave, quase neutro já que a mandioca não garante muito gosto.
Os rótulos das produções locais são muito simples, na maioria impressos em casa. E tradicionalmente trazem, além do nome da bebida e da cidade de origem, também uma mensagem para os bebedores. A que eu comprei pela internet e que fotografei aí no alto diz: “Abre as ideias e estimula o apetite”. Veio pelo sedex e foi produzida em Barreirinha (MA).
A produção de tiquira sempre foi muito isolada e restrita apenas ao consumo local, mais especialmente em cidades do Maranhão, que até hoje seguem a tradição de produzi-la para a apreciação regional. Assim como a cachaça, que depois de anos na penúria agora vive momento de estrela com o aumento de consumo dentro e fora do país, a tiquira ainda aguarda sua fase de glória. No momento, a reputação ainda não é boa, muito associada ao alcoolismo e principalmente por ser uma bebida do povão. Li outro dia no jornal Valor Econômico que um grupo de empresários maranhenses querem dar um “banho de loja” na bebida: melhorar a produção, divulgar de forma mais atual e ganhar público fora do Estado. Tomara que dê sorte como a prima cachaça.
Referências:
AGUIAR, Pinto de. Mandioca, pão do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982
BOTELHO, T.R. A produção de tiquira no Maranhão: história de uma essência. In: VENÂNCIO, R.P.; CARNEIRO, H. Álcool e drogas na história do Brasil. São Paulo: Alameda; Belo Horizonte: Editora PucMinas, 2005.
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