Engraçado como alguns alimentos, assim como nós, também têm seus altos e baixos. Da mesma forma que caem no ostracismo quando deixam de ser plantados ou são preteridos por algum substituto (aposto que o presunto cozido morre de ódio do peito de peru fatiado), também ganham fama instantânea se recebem o rótulo de gourmet ou saudável (nessa ordem: né, barriga de porco e goji berry?).
O urucum (Bixa orellana L.) está prestes a entrar numa maré de sorte. É que Organização Mundial de Saúde (OMS) tem se mobilizado intensamente para impedir ou limitar o uso dos corantes sintéticos principalmente nos alimentos. Já existe comprovação científica de que os sintéticos têm grande potencial cancerígeno. Daí a busca da indústria por alternativas naturais cresce, assim como o interesse pelo cultivo e venda do urucum aqui no Brasil.
A planta possui cápsulas que abrigam de 30 a 50 sementes, dependendo da variedade do urucum. Cada semente desta é recoberta por uma resina chamada de bixina, que é a tinta natural. Depois que as cápsulas estão maduras, pode-se usar as sementes in natura na comida ou então secá-las ao sol. Na indústria processadora do urucum, esta etapa é artificial. Atualmente, o Brasil é o maior produtor da planta, com safra de mais 12 toneladas por ano.
Este arbusto nativo da América Tropical já foi estrela no passado. Foi, inclusive, mencionado nos primeiros registros portugueses sobre o Brasil. Em carta de 22 de abril de 1509, Pero Vaz de Caminha escreve para D. Manoel I, então rei de Portugal: “(…) E estavam cheios de uns grãos vermelhos, pequeninos que, esmagando-se entre os dedos, se desfaziam na tinta muito vermelha de que andavam tingidos. E quanto mais se molhavam, tanto mais vermelhos ficavam.” O urucum era usado para proteger do sol, espantar insetos e suas picadas, além de ser aplicado como remédio cicatrizante, entre outras propriedades medicinais. Junto da tinta negra do jenipapo, sempre foi um dos mais usados nas pinturas corporais indígenas.
Na comida, o urucum colore de vermelho aves, arrozes, farofas, papas e demais preparações. Isso sem deixar nenhum rastro de sabor: sim, urucum só tinge a comida. Passados muitos anos, surgiu uma mistura que soube aproveitar mais do urucum na cozinha. Misturadas as sementes ao fubá ou à farinha de mandioca, óleo e sal (ou não) tornou-se um condimento muito popular no Norte e Nordeste, chamado colorífico ou colorau. Depois que os ingredientes são triturados juntos, ou pilados, são peneirados e viram pó que tempera de tudo. Este, sim, confere sabor às comidas, além da cor vermelha, claro.
Não se sabe ao certo como surgiu o colorau e com qual intenção, mas é fato que unido à farinha de mandioca ou fubá, o urucum mantém por mais tempo a coloração intensa, além de durar mais no armazenamento, lembra o chef Ivan Prado, consultor técnico do Senac-CE. Ele coordena o projeto Saberes e Sabores no Ceará, que se aprofunda na busca das origens e dos usos dos ingredientes do seu estado natal.
Prado lembra que, por ter amido em sua composição, o colorau costuma ser usado já logo no início das preparações, como na etapa do refogado da cebola, por exemplo. Assim a farinha fica cozida, sem deixar aquele gosto estranho no fim do preparo (gosto de farinha crua). O colorau também pode ser previamente diluído em caldos para evitar o mesmo problema.
Uma outra forma de usar o urucum é fazer um óleo tingido – mas isso já é invenção recente. É preciso aquecer o óleo de canola até 65ºC a 85ºC, jogar as sementes desidratadas e desligar o fogo no ato. Deixe descansar na panela até o dia seguinte. Depois coe. Dá para usar em saladas, ou refogados, ou apenas para dar um toque de cor viva na finalização de pratos.
Embora esteja presente no cotidiano do brasileiro, não é tempero dos mais valorizados hoje em dia. Mas é por todas as propriedades que mencionei que, aposto, o urucum voltará com tudo. A chef Ana Soares, do Mesa III (SP), acabou de lançar nova linha de massas frescas que soma cores e sabores brasileiros; entre o pequi, o tempero baiano e a couve, está lá a massa de urucum.
Então, anota aí: logo mais estas bolinhas vermelhas vão entrar para a lista dos queridinhos da cozinha e da nutrição.
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