Feche os olhos e pense em árvores frutíferas comuns em pomares pelo Brasil afora. Certamente a goiabeira estará na sua lista. Planta rústica e de tronco entortado que cresce em qualquer lugar, do Nordeste ao Sul do país, que tenha luz abundante e água. Nas cidades grandes, os brotos desafiam a brutalidade do concreto, crescendo em calçadas rachadas, em canteiros abandonados ou em falhas do asfalto. É planta que, ainda que viva nestas situações adversas, produz frutos que seduzem os insetos e os passarinhos das metrópoles.
Nativa da América do Sul, a goiaba é destas frutas invisíveis que estão no nosso cotidiano e de outros países (conhecida como guava, nos vizinhos latinos). Todos conhecem, todos já provaram, mas raramente são exaltadas como frutas favoritas, na minha opinião. Talvez por sua aparência pouco atraente, comparada às outras coloridas (muitas vezes exóticas) que disputam atenção dos consumidores pelas gôndolas e barracas por todo o país. Quanto mais novo o fruto, é mais verde escuro, mais duro e menor. Já o fruto maduro fica mais para o verde claro, é mais macio e tem um perfume característico que pode atrair ou fazer alguém refugar.
Goiaba ou se ama ou se odeia, seja pela mordida azeda-doce tão características das frutas nativas; seja pela polpa com sementes duras que exigem mastigação mais zelosa já que uma dentada mais distraída pode fazer doer o maxilar; ou seja pelo seu tão famoso odor, identificável a metros de distância.
Das flores brancas, a goiabeira gera frutos que podem ter o interior de várias cores, as mais comuns são as vermelhas e as brancas. Curioso saber que o consumo nacional, seja da fruta in natura ou transformada em doces, tem como preferida a goiaba vermelha; já a branca vai para o mercado externo.
Na história da doçaria nacional, ganhou status de rainha, sendo uma das frutas mais usadas na produção de doces feitos no tacho de cobre. Nesses preparos de goiabada, ou da fruta em calda, ou geleia, é preciso que a goiaba esteja no seu último grau de maturação, ou seja, com a mais alta concentração de açúcares naturais e menor de acidez. Daí a produção de doces será bem saborosa. Se for vendida fresca neste estágio, abastecerá apenas o mercado regional, doméstico, porque não resistirá por muito tempo e nem ao transporte. Assim, quanto mais distante for o mercado consumidor, mais cedo ela será arrancada do pé. Atualmente os estados com maiores produções são: São Paulo, Pernambuco e Bahia (principalmente no Vale do Rio São Francisco).
Hoje, o fim certo dos frutos é o processamento, seja para a produção de doces ou para a extração da polpa para sucos, iogurtes e sorvetes. A venda de fruta fresca é deixada em segundo plano. Ainda mais porque no processamento é possível eliminar os danos existentes em alguns frutos, como um em especial: a larva do besouro gorgulho-da-goiaba, o famoso e icônico bicho da goiaba. É como diz o ditado popular: pior que achar um bicho na goiaba, é achar meio bicho.
RECEITAS
Folhei o livro Açúcar, do folclorista Gilberto Freyre e encontrei duas receitas nordestinas que sintetizam bem a paixão do brasileiro por doces com goiaba. Se você não tiver um tacho de cobre ou latas ou peneira de taquara, então se delicie apenas com as descrições do autor. Reproduzo abaixo:
DOCE DE GOIABA EM CALDA
Escolhem-se goiabas boas e maduras. Descascam-se. Parte-se cada uma ao meio com uma faca. Tira-se o miolo com o cabo de uma colher e metem-se então as goiabas dentro d’água. Em seguida tiram-se as goiabas de dentro d’água e junta-se à calda. Leva-se ao fogo numa caçarola deixando-se cozinhar até que as goiabas fiquem macias. O ponto de calda pode ser de pasta ou de fio brando, conforme o gosto.
DOCE DE GOIABA EM LATA
Descascam-se as goiabas, lavam-se e aferventam-se. Depois de aferventadas, passam-se todas numa peneira de taquara. Se derem 3 tigelas, preparam-se 3 ½ tigelas de mel em ponto de pasta (calda). Depois juntam-se as goiabas ao mel e levam-se ao fogo num tacho e vai-se mexendo com uma colher de pau até que o doce se desprenda do tacho. Depois põe-se em latas e deixa-se esfriar, conservando-se as latas descobertas até que o doce esfrie.
Referências:
FREYRE, Gilberto. Açúcar: uma sociologia do doce, com receitas de bolos e doces do nordeste do Brasil. 5. Edição. São Paulo: Global, 2007.
BARBOSA, Flávia Rabelo; LIMA, Mirtes Freitas. A cultura da goiaba. 2. edição revista e ampliada. Brasília: Embrapa Informação Tecnológica, 2010.
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