Dos últimos 20 anos para cá, os vinhos finos de mesa ganharam fama de “Geni” entre os rótulos nacionais. Porque não são feitos de uvas vitiviníferas (variedades consideradas próprias para a fabricação de vinhos), porque têm “gosto de uva”, são doces demais, são muito baratos. Motivos não faltam para apedrejá-los desde que a produção de vinhos do país deu um salto, com o cultivo de uvas consagradas, e o aprimoramento e expansão da produção da bebida do país.
Mas os vinhos finos de mesa brasileiros têm uma razão de ser. Eles guardam vestígios do início da produção formal da viticultura no Brasil, que despontou em meados do séculos XIX. Neste contexto de vinda de europeus para trabalhar em lavouras no Brasil, a uva tinta Isabel ou Santa Isabel (Vitis labrusca) tornou-se uma grande estrela. Nativa da América do Norte, a uva rústica foi a escolhida pelos imigrantes italianos para produzir o vinho na mesa no Sul do país. Como outras variedades europeias não resistiram às viagens de navio, ou mesmo não se adaptaram ao clima daqui, a Isabel foi a substituta ideal, muito embora não fosse vitivinífera.
Em seu livro Tintos e Brancos, o jornalista Saul Galvão conta um pouco da história: “Na serra [gaúcha], essa cepa parece ter encontrado um bom local para crescer, pois superava os problemas da região e produzia uma imensidão de cachos. Como os imigrantes já soubessem fazer vinho, a produção foi crescendo. Talvez tenham estranhado o produto da Isabel, com seu ‘gostinho de uva’, mas acostumaram-se e acabaram gostando. O produto, embora sem apresentar caráter italiano, era alegre, descia bem e ajudava a enfrentar as vicissitudes daquela época, muito dura.” O tempo passou e embora a região da Serra Gaúcha produza vinhos de outras uvas, o vinho da Isabel – varietal ou corte – até hoje é o padrão, o do dia a dia, um hábito, enfim.
Atualmente o frescor da Isabel também pode ser saboreado nos sucos de uvas integrais produzidos no Sul e distribuídos para todo o País, além do consumo da uva in natura. Aliás, juntamente da Isabel, a Niágara rosada e a Niágara branca respondem por 50% do volume comercializado de uvas de mesa no Brasil. Mas a distribuição dela fresca ainda é bem restrita à região Sul. Para conseguir a minha caixa, precisei encomendá-la com dois dias de antecedência com um feirante do Ceagesp. Agora é uma boa época para encontrá-la pois janeiro e fevereiro são meses de safra.
Hoje a uva Isabel é a mais plantada no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Também já é cultivada em outras regiões, como no Noroeste de São Paulo, no Triângulo Mineiro, em Goiás e no Mato Grosso. Além do vinho e do suco também rende bons vinagres, doces e geleias.
Embora a produção atual esteja gradativamente substituindo a Isabel e outras americanas e híbridas “é bom lembrar que ela foi mola-mestra da indústria do vinho no Brasil”, frisa Galvão. E sentencia: “Sem essa cepa, não haveria a vinicultura que conhecemos. Foi ela que propiciou o aparecimento de uma produção caseira de vinhos e, posteriormente, de vinícolas maiores e de cooperativas”. Por isso, faço aqui, com este texto, minha deferência à Isabel.
Referência:
GALVÃO, Saul. Tintos e brancos. São Paulo: Editora Ática, 3. Edição, 1999.
*Ei, você! Quer sempre saber das últimas do Sacola? Então curte a página do blog no Facebook!