Enfim nos encontramos nessa vida. Ele estava descansando embaixo da copa de uma árvore, junto de seus pares. Daí me aproximei e, conforme me instruíram, chacoalhei os galhos. Caiu no chão. Corri até ele, amparei-o e… nhac! Enfim comi um cambuci e – olha que privilégio – recém tirado do pé! Aproveitei o começo da safra da fruta lá no Sítio do Bello, propriedade localizada no Vale da Fortuna, na cidade de Paraibuna (SP), e que é especializada em cultivar frutas nativas brasileiras.
Na primeira mordida, minha boca encheu da água azedinha e adocicada, depois senti a língua amarrar, sensação adstringente bem típica da fruta nativa da Mata Atlântica. Seu formato também é bem peculiar: de tamanho que cabe na palma da mão, lembra um disco voador, com pontas estreitadas e o centro com diâmetro maior. Em tupi-guarani, seu nome significa “pote”, “vaso”. As frutas maduras, riquíssimas em vitamina C, são de tom verde escuro ou claro. E sabe-se que o cambuci (Campomanesia phaea) está maduro quando ele cede um pouco ao apertá-lo.
Endêmica do estado paulista, foi eleita símbolo da região embora a maioria dos habitantes daqui sequer saiba o que é a fruta. No período do descobrimento e ainda por dezenas de anos depois, o cambuci estava presente no cotidiano de quem vivia por aqui. Nos primeiros registros históricos da região sudeste, relata-se a presença de frutas nativas como o cambuci e a jabuticaba. Há também menções, em tempos menos distantes, de que, no centro da cidade de São Paulo, os tropeiros paravam para descansar, tomar água, e comer e dar aos cavalos cambucis dos pés que existiam aos montes pela cidade. Aliás, é por causa do fruto que o bairro se chama Cambuci. (Isso numa época de estruturação da cidade paulistana, em que os caminhos eram demarcados pelos cultivos de determinadas plantas. Daí os batismos dos bairros do Limão, Araçá, Pinheiros, por exemplo).
Foi por ser nome tão popular entre os paulistas, que os imigrantes japoneses resolveram batizar de cambuci um tipo de pimentinha verde de formato semelhante ao da fruta e que foi introduzida no país nas propriedades hortifrutigranjeiras dos orientais. Hoje, é comum que se associe o nome cambuci apenas à pimenta, facilmente encontrada em qualquer mercado ou sacolão.
Apenas no interior do estado ainda é possível encontrar um subproduto mais comum feito com a fruta: a pinga maturada com cambuci. Encontrei uma destas não tão longe daqui, em São Bernardo do Campo. Mas o gosto da pinga era tão forte que nem consegui ter ideia do sabor da fruta…
O destino foi injusto com o cambuci. Os anos passaram e a fruta sumiu da mesa do paulista, assim como as árvores que eram tão comuns pelas cidades. Nenhum motivo em especial justifica este desaparecimento. Talvez apenas um: a capacidade dos paulistas de absorver culturas diversas. Sim, absorvemos as influências todas e deixamos de lado outras tantas. Assim, aliás, como aconteceu, acreditam vários historiadores, com as comidas dos tropeiros que hoje são identificadas apenas como comida mineira, mesmo que muitas delas tenham sido criadas e disseminadas em São Paulo.
Bom, mas tem gente preocupada com a situação do cambuci. O Douglas Bello, dono do sítio que visitei em Paraibuna (SP), tem vários pés em sua propriedade. Também faz trabalho bacana organizando visitas para que paulistas e outros brasileiros conheçam frutas esquecidas pelos mercados e sacolões. Lá no sítio também existe uma fábrica de polpas e geleias das frutas como o cambuci. Em São Paulo, além de clientes como Alex Atala, o empresário também atende restaurantes de todos os portes, como o Javali, restaurante aberto desde 1962, no bairro do Cambuci, e que serve algumas especialidades com a fruta, como o nhoque com molho de cambuci, além de sorvete e mousse. Juntei no meu prato nhoque e carne de javali e fui muito feliz no domingo passado. Por sua característica azedinha, lá em Paraibuna (SP), a fruta também é usada para temperar carne e porco. Fiquei curiosa pra saber como fica.
Além dessas iniciativas, ainda tem uma outra, a Rota do Cambuci. Trata-se de uma feira itinerante que, desde 2009, passa por várias cidades paulistas, como Rio Grande da Serra, Paraibuna, Ribeirão Pires, Mogi das Cruzes, São Paulo, e outras, entre os meses de abril a outubro. A ideia é expor as produções de pequenos produtores que fabricam geleias, pingas, licores, além da polpa congelada da fruta. Uma forma de espalhar o cambuci por aí. Quem sabe assim ele não volta a ser tão farto na nossa mesa, né?
Sítio do Bello
Estrada da Roseira, km 11,5
CEP 12260-000
Bairro do Porto – Paraibuna (SP)
(11) 3664-7976
Restaurante Javali
Rua Luiz Gama, 847
Cambuci – São Paulo (SP)
(11) 3271-8234 / 3208-9298
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Muito prazer em conhecer o cambuci fruta!Só conhecia a pimentinha que até já foi muito usada aqui em casa. Alguém que adorava comê-la frita já não está mais aqui…
muito prazer em te conhecer, sacola brasileira. tenho um pé de cambuci no meu quintal que anda tímido, tem dado poucos frutos. em época de maior generosidade, além de oferecer aos amigos, fiz umas experiências amador´sticas com ele. e nessas investidas surgiu um shutney com a fruta, receitinha básica, só com a substituição da manga por ele.acompanhou um lombinho de porco como nenhum outro outro tinha feito. estou salivando só de lembrar…e torcendo para que na próxima safra ele me presenteie, outra vez, com generosidade.
Hum, salivei, Maurício! Muita sorte sua ter um pé de cambuci no quintal!
Avisa quando sair a próxima produção de chutney!
bj,
Rachel