Enquanto em todo o país, as folhas da mandioca são considerados resíduos do cultivo da raiz, em cidades do Pará, principalmente, elas são entendidas como alimento. A massa feita das folhas moídas é chamada de maniva, e maniva de qualidade é aquela sem galhos ou partes das ramas, apenas as folhas, mesmo. É por isso que logo cedo, quando no Ver-o-Peso desembarcam os lotes de folhas vindas de cidades do entorno de Belém, as mulheres começam a tarefa de destalar as folhas. Utilizam-se tanto as variedades mansas ou bravas e, o mais comum, é usar as folhas mais novas que têm verde intenso. Depois de limpas, são levadas para as barracas especializadas em triturá-las. Um grande moedor cospe a maçaroca de cor viva (como a da foto aí em cima) que, após algumas horas, oxida e vira massa com tom de verde musgo.
Quem quiser, compra assim ou então paga pela massa já cozida. E tem que confiar no vendedor: as folhas da mandioca concentram a maior quantidade de ácido cianídrico presente na planta (lembra?), por isso o tempo de cozimento delas tem de ser superior ao da raiz ou do tucupi, por exemplo. Diz a sabedoria indígena – e a ciência já confirmou – que sete dias é o prazo mais indicado, certeiro para não envenenar ninguém. Após esse tempo, a concentração de ácido baixa para níveis considerados seguros. Ah, e são sete dias sem desligar o fogo. Ininterruptos, mesmo.
Mas, depois deste tempo, o panelão com maniva ainda passará por mais uma etapa. Esta massa tradicionalmente vira um prato, a maniçoba, tipo de “feijoada sem feijão” feita com maniva e carnes de porco, e que precisa de mais, no mínimo, três dias para ficar pronta. Quanto mais tempo no fogo e mais componentes gordurosos, mais escura ela vai ficando e mais saborosa também! É por isso que, para mim, este prato é uma ode à persistência, à paciência e, porque não, à penitência. Não à toa é encarado como comida de festa religiosa, para comemorar o Círio de Nazaré, em outubro. Ótimo para comer acompanhada por arroz, farinha de mandioca e pimenta.
Neste período do ano, quem faz maniçoba sempre cozinha em quantidades generosas: 12 quilos de maniva, por exemplo, rendem 40 litros de maniçoba. Essa quantidade alimenta até 40 pessoas.
Apesar da história da maniçoba ser arraigada à cultura paraense, saiba que no Recôncavo Baiano, mais especificamente as cidades de Cachoeira e de Santo Amaro, esse prato também é uma tradição local. Não se sabe ao certo porque o hábito se instalou ali, mais é fato que a maniçoba baiana também é comida de festa, e tão parte da cultura baiana quanto é da paraense. Sem disputas. Na capital baiana, a maniva pode ser comprada na Feira de São Joaquim, localizada na Cidade Baixa. Curioso saber também que a maniçoba brasileira tem um prato “primo” em Moçambique. É chamado de matapa e mistura folhas de mandioca, amendoim e outros ingredientes.
Mesmo que a receita de maniçoba seja a mesma há centenas de anos, cozinheiros inventivos já criaram alguns pratos a partir dela, como recheio de ravióli ou massa de bolinho frito, num movimento parecido com o que aconteceu com a própria feijoada.
RECEITA
A Larissa Januário, do Sem Medida, misturou linguiça e bacon com frutos do mar para fazer um arroz de maniçoba, uma receita mais leve e mais rápida de executar comparada à maniçoba convencional. Clica na imagem abaixo para saber como faz.
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